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[...] a oresta [mato] com seus campos naturais
era “tudo o que contava”, era tudo o que conhe-
ciam do mundo, era o seu mundo. Domesticar
a oresta com seus perigos era a oportunidade
que tinham os homens para desenvolver sua
personalidade e para obter prestígio. A comuni-
cação vital com os animais e com os espíritos da
oresta permitia-lhes desenvolver sua rica vida
espiritual. Tudo isto está irremediavelmente
perdido, pois com a perda da oresta, também
se perdeu, quase ao mesmo tempo, os saberes a
ela relacionados e a prática da convivência vital
com as plantas e os animais (Grünberg, 2011, p.
02).
O mato é a possibilidade de viver bem
- teko porã -, onde se encontra a terra boa e
farta, onde estão os deuses no qual devem pe-
dir permissão para caçar, coletar, plantar... É
a partir da representação do mato que se tem
a representatividade da territorialidade destes
povos que permite acessarem os rios, os córre-
gos, de construírem tekoha.
A necessidade em retornar aos tekoha, nas
palavras do kaiowa ñanderu Jorge, “retomar
nosso tekoha”, se dá pela incessante luta pelo
sonho em reviver as relações socioterritoriais
do tekoyma (modo de vida dos antigos). Nes-
te contexto, as disputas territoriais se dão na
congruência das disputas pelo território, sen-
do que a terra é uma de suas dimensões. Por
isso, a luta pelo retorno se faz na perspectiva
da totalidade do território, ou seja, pela apro-
priação material e simbólica que permite a
sobrevivência físico-biológica e cultural das
gentes em sua multidimensionalidade.
Nesta perspectiva, Souza (2003, p.60) apon-
ta as dicotomias de sentido entre terra-pro-
priedade, numa perspectiva eurocêntrica, o
que nos permite dizer que a expressão tekoha
enquanto representatividade de continuação
do modo de ser e viver guarani e kaiowa, po-
dendo ser vislumbrada no signicado da pa-
lavra nativa ka’agua – aquele que venho do
mato. Em suas palavras: “[...] a concepção
eurocêntrica de “terras indígenas”, sujeitas ao
direito de propriedade, e as concepções indí-
genas de “território” que designam um espaço
coletivo pertencente a um povo [sociedade],
aos que hoje o integram e aos seus antepassa-
dos [...]”.
A busca pelo retorno aos tekoha é uma
luta pelo retorno aos espaços de caça, de pes-
ca, de coleta, de moradia, de agricultura e de
todas as relações cosmológicas que permite a
ligação dos Guarani e Kaiowa com o mato. A
legitimidade das lutas indígenas por seus te-
rritórios ancestrais são conquistas por garan-
tias de direitos perante a sociedade e o Estado
Nacional brasileiro, principalmente a partir da
Constituição Federativa do Brasil de 1988, no
parágrafo I do seu artigo 231, que:
São terras tradicionalmente ocupadas pelos ín-
dios as por eles habitadas em caráter permanen-
te, as utilizadas para suas atividades produtivas,
as imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários ao seu bem-estar e as
necessárias a sua preservação física e cultural,
segundo seus usos, costumes e tradições.
Neste contexto, pode-se dizer que com a
constituinte de 1988 a garantia de direitos, até
então não reconhecidos aos índios, passaram
a ser considerados. “Saindo de cena”, ao me-
nos no âmbito do discurso político, modelos
de sociedades indígenas futuristas, na pers-
pectiva da integração e assimilação destes po-
vos à sociedade nacional, com a nalidade de
transformá-los em não índios, trabalhadores
rurais e cristãos (Lima, 1995).
Os movimentos de armação étnica to-
mam conta das conjunturas sociais, até en-
tão estabelecidas, visando garantir a estas
sociedades diferenciadas o direito e o recon-
hecimento de serem diferentes, na medida
em que esta diferença implica garantias de
direitos especícos, assim como o reconheci-
mento das multiplicidades de “histórias-tra-
jetórias” que estão sendo construídas no es-
paço-tempo.
Por tanto, como é elucidativo pelo antro-
pólogo Paul E. Little (2002, p. 02; 04).
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| Cátedra Villarreal | V. 1 | No. 2 | julio - diCiembre | 2013 |