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Gastrointestinal Parasitism in Rescued Wild Birds
Neotropical Helminthology (Lima). Vol. 18, N
º
2, jul - dec 2024
Neotropical Helminthology
Neotropical Helminthology, 2024, vol. 18 (2), 149-156
ORIGINAL ARTICLE / ARTÍCULO ORIGINAL
CLINICAL AND PARASITOLOGICAL STUDY OF
AELUROSTRONGYLUS
ABSTRUSUS
(RAILLIET, 1898) INFECTION IN CAT
ESTUDO CLÍNICO E PARASITOLÓGICO DA INFECÇÃO
POR
AELUROSTRONGYLUS ABSTRUSUS
(RAILLIET, 1898) EM GATO
ESTUDIO CLÍNICO Y PARASITOLÓGICO DE LA INFECCIÓN
POR
AELUROSTRONGYLUS ABSTRUSUS
(RAILLIET, 1898) EN GATO
Sandra Márcia Tietz Marques
1*
& Rochana Rodrigues Fett
2
ISSN Versión Impresa 2218-6425 ISSN Versión Electrónica 1995-1403
DOI: https://dx.doi.org/10.62429/rnh20242181806
Este artículo es publicado por la revista Neotropical Helminthology de la Facultad de Ciencias Naturales y Matemática, Universidad Nacional Federico
Villarreal, Lima, Perú auspiciado por la Asociación Peruana de Helmintología e Invertebrados Af nes (APHIA). Este es un artículo de acceso abierto,
distribuido bajo los términos de la licencia Creative Commons Atribución 4.0 Internacional (CC BY 4.0) [https:// creativecommons.org/licenses/by/4.0/
deed.es] que permite el uso, distribución y reproducción en cualquier medio, siempre que la obra original sea debidamente citada de su fuente original.
1
Laboratório de Helmintoses, Departamento de Patologia Clínica Veterinária, Faculdade de Veterinária, UFRGS, Porto
Alegre, RS, Brasil. Av. Bento Gonçalves, 9090, Porto Alegre.
2
Proprietária do Chaterrie - Hospital do Gato, Rua Doutor Vale, 88, Porto Alegre, RS, Brasil.
* Corresponding author:santietz@gmail.com
Sandra Márcia Tietz Marques:
https://orcid.org/0000-0002-7541-9717
Rochana Rodrigues Fett:
https://orcid.org/0000-0001-7469-3223
ABSTRACT
A case of pulmonary parasitosis caused by
Aelurostrongylus abstrusus
in (Railliet, 1898) in adult cat is described, with
clinical monitoring, laboratory and imaging test, and treatment for 14 months. During follow-up, the cat presented
larvae of
A. abstrusus
in the Baermann parasitological methods and the fecal smear with treatments and relapses of the
parasite in the exams. Radiographic images showed dif use opacif cation of the lung f elds with an interstitial pattern,
tending to alveolar, with visualization of thickened bronchial walls, related to an inf ammatory/infectious process. T e
persistence of lungworm disease is discussed and the treatment.
Keywords
:feces –host-parasite interactions –lung – Nematoda – pneumonia – therapeutics
RESUMO
Descreve-se o caso de parasitose pulmonar persistente por
Ael urostrongylus abstrusus
(Railliet, 1898) em gata adulta, com
acompanhamento clínico, exames laboratoriais e de imagem, e tratamento durante 14 meses. Durante o acompanhamento,
a gata apresentou
A. abstrusus
nos métodos parasitológicos de Baermann e no esfregaço fecal, com tratamentos e recidivas
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Tietz Marques
& Rodrigues Fett
do parasito nos exames. As imagens radiográfcas mostraram opacifcação difusa dos campos pulmonares de padrão
intersticial, tendendo a alveolar, com visualização de paredes brônquicas espessadas, relacionado a processo infamatório/
infeccioso. Discute-se a persistência da verminose pulmonar e o tratamento.
Palavras-chave
:
fezes –
interações hospedeiro-parasito – nematoide – pneumonia – pulmão – terapêutica
RESUMEN
Se describe un caso de parasitosis pulmonar persistente causada por
Aelurostrongylus abstrusus
(Railliet, 1898) en un
gato adulto, con seguimiento clínico, pruebas de laboratorio y de imagen, y tratamiento durante 14 meses. Durante
el seguimiento el gato presentó
A. abstrusus
en los
métodos parasitológicos de
Baermann y en el frotis fecal, con
tratamientos y recaídas del parásito en los exámenes. Las imágenes radiográfcas mostraron opacifcación difusa de los
campos pulmonares con patrón intersticial, tendiendo a alveolar, con visualización de paredes bronquiales engrosadas,
en relación con un proceso infamatorio/infeccioso. Se analizan la persistencia de la enfermedad por gusanos pulmonares
y su tratamiento.
Palavras clave
: heces – interacciones huésped-parásito – nematodo – neumonía – pulmón – terapia
INTRODUÇÃO
A aelurostrongilose felina, causada pelo verme pulmonar
Aelurostrongylus abstrusus
(Railliet, 1898) (Strongylida:
Angiostrongylidae) é uma doença parasitária de
importância veterinária transmitida por gastrópodes
(caracóis ou lesmas) em gato (Traversa
et al
., 2010;
Traversa, 2014). A doença é subestimada e principalmente
negligenciada, cuja identifcação do parasito é necessária
para o manejo de gatos doentes. A infecção está generalizada
no mundo, mas a sua crescente importância e o advento
de diagnósticos mais sensíveis contribuíram para o
aparente aumento da sua prevalência e expansão geográfca
(Elsheikha
et al.,
2016). A fêmea desenvolve seus ovos nos
bronquíolos e ductos alveolares, onde a larva termina em
verme adulto. As L1s migram através da árvore brônquica/
traqueal para a faringe, são engolidas e eliminadas nas fezes
do gato. As larvas penetram em caracóis ou lesmas, onde
se desenvolvem em L3. Ratos, pássaros, répteis e anfíbios
podem servir como hospedeiros paratênicos pela ingestão
de gastrópodes infectados. Os gatos são infectados ao se
alimentarem de caracóis ou de hospedeiros paratênicos
(Hamilton, 1967; Ribeiro & Lima, 2001; Rodrigues
et al
.,
2022). Larvas de primeiro estágio (L1) e os adultos causam
alterações patológicas, infltrados de células infamatórias
nos brônquios e no parênquima pulmonar. O nível de
infecção pode variar de assintomático à presença de
sintomas graves e até ser fatal (Moskvina, 2018). O
período pré-patente é de aproximadamente 35 a 48 dias
e a excreção de L1 nas fezes pode variar, sendo a mais alta
em torno de 10 a 14 semanas após a infecção e permanecer
por vários meses até mais de um ano (Genchi
et al.,
2014;
Vismarra
et al.,
2023).
A detecção de
A. abstrusus
adulto pode ser um desafio
devido a característica deste parasito se aprofundar no
parênquima pulmonar. Diferentes métodos e tentativas
de correlacionar a carga de vermes adultos com a
contagem de larvas fecais foram testados, porém com
pouco sucesso (Knaus
et al
., 2011; Schnyder
et al
., 2014;
Olsen
et al
., 2015; Traversa
et al.,
2021). Dependendo
do estilo de vida do felino (dentro de casa ou ao ar
livre), origem geográfca e métodos utilizados para o
diagnóstico, a prevalência registrada em gatos varia
amplamente de 1,2% em gatos com donos (Riggio
et
al
., 2013) até 50% em gatos de rua (Knaus
et al
., 2011).
Gatos que vivem em ambientes fechados ou com poucas
possibilidades de acesso ao ar livre, são menos propensos
a serem infectados por A.
abstrusus
. Em contraste, os
animais que vivem ao ar livre têm maiores oportunidades
de ingerir moluscos e/ou presas. Fatores ambientais como
temperatura, umidade e disponibilidade de água, podem
infuenciar o desenvolvimento e a sobrevivência dos
hospedeiros intermediários e de larvas de nematóides em
seus moluscos hospedeiros (Rodrigues
et al
., 2022).
Aelurostrongylus abstrusus
tem distribuição cosmopolita
e foi registrado em quase todos os países da Europa e
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Aelurostrongylus
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nas Américas, e com alguns relatos na Ásia e na África.
Na Itália variou de 1,8–22,4% (Riggio
et al.,
2013;
Traversa & Di Cesare, 2014; Di Cesare
et al
., 2015), de
0,5–15,3% na Alemanha (Barutzki & Schaper, 2013), de
17,4% em Portugal, 5,6% na Roménia, 1% em Espanha
e em casos clínicos na Bélgica, França, Irlanda, Noruega,
Polónia e Turquia (Traversa & Di Cesare, 2014). Nos
EUA, taxas de prevalência de 6,2% em Nova York e de
18,5% no Alabama foram relatadas em gatos de abrigo
e vadios, respectivamente (Gerdin
et al
., 2011) enquanto
na Argentina o parasito foi registrado em 2,6% dos
gatos vadios examinados (Barutzki & Schaper, 2013),
na Grécia a prevalência variou de 2,9% a 17,4% para
gatos de rua (Diakou
et al
., 2015). Um dos principais
fatores levantados por muitos autores é o hábito errante
dos gatos, que faz com que eles exerçam atividades de
caça e percorrem signifcativas distâncias geográfcas. A
maior parte dos relatos de infecções por
A. abstrusus
no
Brasil são da região sul, as taxas de prevalência variam
em 29,5 %, 14,3% e 3,3% (Ehlers
et al
., 2013; Marques
et al
., 2020; Ferraz
et al
., 2020; Farago
et al
. 2022). As
manifestações clínicas da aelurostrongilose felina variam
amplamente, desde subclínicas a uma variedade de sinais
respiratórios, como desconforto respiratório, incluindo
dispneia, respiração abdominal com boca aberta, tosse,
chiado no peito, espirros e secreção nasal mucopurulenta
(Hamilton, 1967; Traversa
et al
., 2008ab; Genchi
et al
.,
2014). Pneumotórax e piotórax secundários à infecção
por
A. abstrusus
foram relatados em um gatinho de
14 semanas apresentando vômito, diarréia e pirexia, e
especulou-se que
Salmonella typhimurium
Lignières,
1900 (Bier, 1975) foi transportada por L3 do intestino
para os pulmões em um mecanismo tipo “cavalo de
Tróia”. Tais padrões clínicos inespecíficos requerem um
elevado nível de conhecimento clínico da doença, a fim
de orientar a rápida instituição do tratamento (Barrs
et
al
., 1999; Traversa
et al.,
2021; Little, 2024).
O dano patológico causado por
A. abstrusus
é atribuído
à reação inflamatória do hospedeiro em resposta à
presença de diferentes estágios de
A. abstrusus
no trato
respiratório. Os estágios adultos podem ser encontrados
profundamente enraizados e difíceis de serem extraídos
do parênquima pulmonar (Schnyder
et al.,
2014). No
entanto, reações infamatórias em torno dos estágios
adultos raramente são encontradas. Em contraste,
numerosos estágios imaturos migratórios e descendentes
de vermes adultos, larvas e ovos são regularmente cercados
por granulomas e células infamatórias, resultando em
alterações patológicas proeminentes e redução na área de
superfície disponível para troca gasosa (Schnyder
et al
.,
2014; Gerdin
et al.,
2011). A técnica de Baermann é o
método diagnóstico padrão ouro usado rotineiramente
para identifcação de L1 nas fezes, mas não sem
limitações. Ainda há necessidade de desenvolver métodos
melhores que permitam a detecção sensível e específca da
infecção e o início oportuno da terapia anti-helmíntica
apropriada. O presente relato descreve um caso clínico
de pneumonia verminótica por
A. abstrusus
em gata sem
acesso à rua, da cidade de Porto Alegre (RS), Brasil e
a terapêutica durante a persistência da verminose e do
quadro de pneumonia intermitente pelo período de 14
meses.
MATERIAIS E MÉTODOS
Uma paciente da espécie felina com 10 anos de idade e
sem raça defnida foi apresentada por sua tutora em uma
clínica veterinária especializada em felinos em agosto
de 2022 com anorexia, apatia, queixa de tosse, espirros
frequentes, episódios de crise asmática e desconforto
respiratório. Na anamnese foram relatadas as seguintes
condições: gata sem acesso à rua, sem acesso à vegetação;
alimentação comercial; a caixa de dejetos era composta
de “areia” de madeira comercial. A conduta clínica foi:
coleta de material biológico para avaliação sanguínea
(hemograma e bioquímico sérico), avaliação urinária
(EQU) e sedimento urinário; exame radiográfco de tórax
nas projeções laterais direita, esquerda e ventro-dorsal,
teste para a imunidefciência felina (FIV)
e leucemia felina
(FeLV). Os exames parasitológicos de fezes (EPF) por três
métodos (métodos de Willis, Faust e Baermann) foram
executados no laboratório de helmintoses da Faculdade
de Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul.
Aspectos éticos:
O protocolo de coleta de amostras de
fezes e os procedimentos laboratoriais foram aprovados
pelo Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA) da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
Estado do Rio Grande do Sul, Brasil sob o protocolo
número 24.376/CEUA/ UFRGS. O consentimento
informado foi obtido do dono/tutor do paciente incluído
neste estudo. Todas as diretrizes nacionais e institucionais
aplicáveis para o cuidado e uso de animais foram seguidas.
RESULTADOS
Os resultados para a pesquisa de FIV e FeLV
foram
negativos. Os exames de urina (EQU e sedimento
urinário) apresentaram padrões dentro da referência
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& Rodrigues Fett
para a espécie. Os exames parasitológicos de fezes
(EPF) pelo método de Willis não mostraram ovos e
oocistos de parasitos gastrointestinais durante todo o
acompanhamento do caso. Os resultados dos hemogramas
e dos bioquímicos (30/8/2021; 9/8/2022; 31/10/2022 e
30/1/2023) apresentaram padrões dentro da referência
A patologia pulmonar através de Raio X de tórax
executados em 31/10/2022, 30/1/2023 e em 14/3/2023
se caracterizaram em: sem evidências radiográfcas
da presença de nódulos metastáticos dispersos pelo
parênquima pulmonar; discreta opacifcação dos campos
pulmonares de aspecto difuso e padrão misto (intersticial
e brônquico), predominantemente intersticial com
visualização de alguns brônquios que apresentam
espessamento de suas paredes (infltrado peribronquial),
silhueta cardíaca dentro dos limites da normalidade
radiográfca, traqueia com trajeto e lúmen preservados,
portanto foi conclusivo de broncopatia discreta.
DISCUSSÃO
A aelurostrongilose felina é uma das doenças parasitárias
mais importantes que provavelmente continuará a amea-
çar a saúde e o bem-estar nos próximos anos (Traversa &
Di Cesare, 2014; Ferraz
et al.
, 2019; Traversa
et al.,
2021).
Exames de sangue e de urina estão entre as primeiras me-
didas diagnósticas realizadas em gatos doentes. Na suspei-
ta de infecção por
A. abstrusus
é
importante reconhecer
parâmetros que podem estar alterados, embora não sejam
patognomônicos. De acordo com Schnyder
et al.
(2014)
a eosinoflia parece ser o achado mais persistente entre 2
a 4 semanas de inoculação do parasito, presumivelmente
devido à constante estimulação antigênica causada pela
para a espécie. Os exames de ultrassom (4/4/2022 e
25/4/20220) apresentaram parâmetros sem alterações.
A Tabela 1 descreve a cronologia dos atendimentos,
procedimentos clínicos e laboratorias, resultados de
exames e os tratamentos.
Tabela 1.
Cronologia das consultas, amostras fecais (AF), métodos parasitológicos (Baermann e Faust) e tratamento
executados no felino com broncopatia persistente por
Aelurostrongylus abstrusus
durante 14 meses.
DataAF Faust Baermann Tratamento
10/08/20223Negativo
A. abstrusus
em 2 AF
Fenbendazol
(50mg/kg, VO/ cada
24h, 3 dias)
28/09/20222Negativo
A. abstrusus
em 2 AF
30/10/20223Negativo
A. abstrusus
em 3 AF
Praziquantel 20mg,
Pamoato de pirantel
230mg, dose única
23/01/20231Negativo
A. abstrusus
Ivermectina (0,4 mg/kg
em dose única)
23/02/20232
Giardia
spp.
A. abstrusus
em 2 AF
Ivermectina
03/03/20232Negativo
A. abstrusus
em 2 AF
fenbendazol
10/03/20231Negativo
A. abstrusus
ivermectina
03/04/20235 *NegativoNegativo
27/4/20234*Negativo
A. abstrusus
em 3 AF
moxidectina 5mg/kg/dia
20/5/20233Negativo
A. abstrusus
Moxidectina
31/05/233NegativoNegativo
Alta
22/07/231
Giardia
spp.Negativo
Nitazoxanida (25 mg /
kg)
31/10/231NegativoNegativo
* Fezes congeladas.
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Clinical and parasitological study of
Aelurostrongylus
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presença dos parasitos, entretanto os hemogramas e perfl
bioquímicos deste relato não estavam alterados ao longo
de 14 meses. Como muitos outros helmintos,
A. abstru-
sus
pode causar infecção crônica e gatos infectados podem
abrigar vermes nos pulmões durante anos sem eliminar
L1 nas fezes. Esta forma de infecção a longo prazo e a so-
brevivência de
A. abstrusus
no hospedeiro felino indicam
que este parasito deve ter desenvolvido alguns mecanis-
mos para escapar aos efeitos citotóxicos da resposta imu-
nitária do hospedeiro (Grandi
et al
., 2005) e/ou ser resis-
tente à tratamentos escolhidos. Técnicas parasitológicas
padrão, como a visualização do primeiro estágio larval
do nematóide em amostras fecais e respiratórias (muco
brônquico ou líquido pleural), continuam sendo a base
do diagnóstico (Schnyder
et al
., 2014). É consenso que
um dos principais problemas no diagnóstico da aeluros-
trongilose inclue a sua apresentação clínica inespecífca e
a falta de métodos diagnósticos sensíveis. O diagnóstico
baseado no método de Baermann é na verdade o padrão
ouro, embora este método tenha suas próprias limitações,
como a obtenção de resultados falso-negativos e, mais
importante, a difculdade em obter amostras fecais fres-
cas de gatos com acesso ao ar livre, a presença de baixas
concentrações de larvas nas fezes e ao uso de procedimen-
tos de diagnóstico inadequados (Schnyder
et al
., 2014;
Elsheikha
et al
., 2016; Moskviva, 2018). A eliminação
pode ser intermitente e/ou ausente, mesmo na presença
de sinais clínicos, especialmente em gatos cronicamente
infectados e gatos com reinfecções, que apresentam pa-
drões de eliminação esporádicos (Ribeiro & Lima, 2001;
Schnyde
et al
., 2014), por isso a conduta do clínico é
solicitar ao menos 3 amostras fecais, sempre que possível,
para aumentar a chance de recuperação de L1.
Nos exames parasitológicos deste felino, fezes congeladas
também apresentaram resultado positivo (27/4/2023) em
75% das amostras examinadas pelo método de Baermann,
concordando com investigação de Gaglio
et al
. (2008).
Para Schnyder
et al.
(2014) os esfregaços fecais diretos e
os métodos clássicos de sedimentação e fotação são menos
sensíveis e são prejudicados pela solução utilizada e pelo
tempo necessário para processar a amostra, uma vez que
soluções concentradas de alta gravidade específca podem
causar danos osmóticos nas larvas. As larvas fcam desidra
-
tadas e / ou afundam e podem perder detalhes morfológi
-
cos e, como consequência, tornar-se difíceis de detectar e
diferenciar. No caso da gata deste relato, a presença de L1
no esfregaço fecal certamente ocorreu pela grande quan
-
tidade de larvas eliminadas junto com as fezes, como nas
amostras do dia 30/10/2022. Sedimentação e futuação
não são métodos usados no laboratório para a pesquisa
de nematódeos pulmonares. A recuperação larval de Baer
-
mann permitiu a identifcação defnitiva.
Os exames complementares realizados ao longo das
consultas não mostraram nenhuma patologia à exceção
de patologia pulmonar que comprovou-se ser pneumonia
verminótica. Conforme Grandi
et al.
(2005) os achados
radiográfcos não são necessariamente patognomônicos
para aelurostrongilose, mas a evidência de doença
intersticial pulmonar é frequente. A suspeita clínica pode
resultar da radiografa torácica e os achados dependem
do estágio da infecção, da dose da infecção e do estágio
da doença, como neste relato. Gatos sintomáticos
naturalmente infectados também podem apresentar
uma mistura de padrões pulmonares brônquicos e
intersticiais em radiografas torácicas. Os sinais clínicos
mais frequentes como tosse e dispneia e os achados
radiográfcos de Lacava
et al.
(2017) e Napoli
et al
.
(2023) corroboram os registros de lesão pulmonar com
a presença do parasito por
A. abstrusus
semelhantes aos
achados neste paciente.
Um tratamento efcaz em gatos infectados pode reduzir
signifcativamente a contaminação ambiental com larvas
fecais e, como consequência, o número de hospedeiros
intermediários e paratênicos infectados (Ribeiro & Lima,
2001). Os tratamentos executados e mostrados na Tabela 1
foram prescritos conforme protocolo recomendado pelos
fabricantes. No caso da ivermectina, a dose de 0,25mg/kg
a cada 24 horas, via oral, durante 2 semanas e em outro
estudo a dose prescrita foi 0,4 mg/kg em dose única.
Relatou que a moxidectina é quatro vezes mais potente
que a ivermectina, porém em estudo com animais de
laboratório a sua efcácia é superior a 95% para o gênero
Haemonchus
com dose quatro vezes inferior a ivermectina.
Conforme Ribeiro & Lima (2001) e Schnyder
et al
.
(2014) a moxidectina é outra opção potencial para a
quimioprevenção da aelurostrongilose. Esta molécula
permanece em níveis detectáveis por semanas após os
tratamentos e administrações consistentes de moxidectina
tópica podem induzir concentrações plasmáticas elevadas
e sustentadas no estado estacionário. No entanto, os
resultados obtidos num outro estudo mostraram que
56% dos gatos reinfectados retomaram a eliminação
de larvas nas fezes, embora exibissem um período pré-
patente mais longo em comparação com gatos com uma
única infecção.
O princípio ativo praziquantel (20mg) formulado com
pamoato de pirantel (230mg) foi prescrito na dose única
para a aelurostrongilose deste felino mesmo que sem
indicação do fabricante, e com repetição em 30 dias.
Em nova consulta dois meses após o gato retornou com
sintomatologia respiratória positivando para L1 de
A.
abstrusus
. Também se usou como opção fenbendazol que
está licenciado em alguns países para o tratamento da
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infecção
por A. abstrusus
e demonstrou ser eficaz quando
administrado por via oral a 50 mg/kg de peso corporal
durante três dias consecutivos com uma efcácia superior
a 99% para a contagem de larvas (Schnyder
et al
., 2014;
Ferraz
et al.,
2019). O fenbendazol e a ivermectina são os
fármacos mais amplamente utilizados no tratamento desta
parasitose. Cada nova consulta do felino, o veterinário
se mostrava preocupado com as recidivas do paciente e
na opção do medicamento. Embora o tutor garantisse
que o animal não frequentava ambientes externos
com risco de entrar em contato com os hospedeiros
intermediários e/ou contactantes, ou que executava
as prescrições medicamentosas corretamente, pairava
dúvidas da efcácia do tratamento e até da transmissão
da doença. Schnyder
et al.
(2014) discutiu que a efcácia
da moxidectina no estado estacionário na proteção contra
infecções subsequentes por
A. abstrusus
deve ser avaliada
para futuras abordagens na prevenção destas infecções. A
nitazoxanida na dose de 25 mg / kg foi prescrita para o
protozoário
Giardia
spp.
Em casos clínicos graves é necessário tratamento de
suporte, por exemplo, em casos complicados com infecção
bacteriana secundária e reações infamatórias, antibióticos
de amplo espectro devem ser administrados juntamente
com doses anti-infamatórias de corticosteróides (por
exemplo, prednisolona 0,5 mg/kg PO a cada 24 h por
10 dias). Se houver congestão do trato respiratório, um
mucolítico, como a bromexina, pode ajudar a aliviar o
desconforto e a dispneia associados. Os broncodilatadores,
como a teoflina ou a terbutalina, também podem ser
úteis no tratamento da dispneia grave. Gatos gravemente
afetados com difculdade respiratória podem se benefciar
da administração de oxigênio de suporte e, quando são
observados derrame pleural e pneumotórax, recomenda-
se toracocentese imediata (Penissi
et al
., 2015; Morelli
et
al.,
2021; Napoli
et al.,
2023).
É consenso dos pesquisadores que a erradicação de
A.
abstrusus
é impraticável em qualquer área, uma vez que
reservatórios significativos estão presentes em hospedeiros
intermediários, bem como em populações de gatos
selvagens e vadios. Embora teoricamente os moluscicidas
possam ser utilizados para reduzir o número de lesmas e
caracóis, a sua utilização deve ser desencorajada porque
podem ser tóxicos para os animais de estimação e para o
ambiente. Evitar a predação mantendo os gatos dentro de
casa é, portanto, atualmente considerado a única forma
potencial de evitar a infecção; no entanto, isto não é reco-
mendado por razões de bem-estar animal.
Em conclusão,
exames complementares como RX
permitiram focar em patologia respiratória o que
conduziu a suspeita de verminoses pulmonar. A
recuperação de larvas pelo método de Baermann permitiu
a identifcação defnitiva. Os tratamentos e as infecções
frequentes sugerem fortemente a presença de reservatórios
envolvidos no ciclo parasitário.
Author contributions: CRediT (Contributor Roles
Taxonomy)
SMTM
= Sandra Márcia Tietz Marques
RRF
= Rochana Fett
Conceptualization
: SMTM, RRF
Data curation
: SMTM
Formal Analysis
: SMTM, RRF
Funding acquisition
: RRF
Investigation
: SMTM
Methodology
: SMTM, RRF
Project administration
: SMTM, RRF
Resources
: SMTM, RRF
Software
: SMTM
Supervision
: SMTM, RRF
Validation
: SMTM, RRF
Visualization
: SMTM
Writing – original draft
: SMTM
Writing – review & editing
: SMTM, RRF
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Received July 25, 2024.
Accepted September 17, 2024.